Aparelho desenvolvido na Unicamp auxilia a prever risco de paciente evoluir para quadro grave


CEPID BRAINN - divulgacao - Rickson Mesquita - aparelho disfuncao endotelial UTI - capa
Compartilhe! / Share this!

Pesquisa, liderada pelo dr. Rickson Mesquita, do CEPID BRAINN, nasceu do desejo de contribuir para a luta contra a COVID-19.

 

CEPID BRAINN - Divulgacao Rickson Mesquita

Rickson Mesquita lidera o projeto na Unicamp. Foto: Divulgação.

Escrito por Luciene Santos Telli. Originalmente publicado no portal IFGW Unicamp.

Um equipamento desenvolvido no IFGW promete auxiliar médicos a identificar, em Unidades de Terapias Intensivas (UTIs), os pacientes com maiores chances de evoluir para quadros graves por conta de uma disfunção vascular. A pesquisa teve início no primeiro semestre de 2020, logo que a pandemia de covid chegou ao Brasil, e foi viabilizada por meio de um convênio multicêntrico, coordenado pelo Institut de Ciències Fotòniques (ICFO), de Barcelona. Participam dele a Unicamp, a Universidade de São Paulo (USP) e outros 11 centros de pesquisa de 4 países (Espanha, Itália, México e Estados Unidos).

“Quando veio a covid, acho que todo mundo se perguntou como é que poderia contribuir de alguma forma. Fiz esse exercício em conjunto com alguns colegas, particularmente com colegas de Barcelona (Espanha)”, conta o professor Rickson Coelho Mesquita, que está à frente do projeto na Unicamp e é um dos responsáveis pelo grupo de pesquisa em neurofísica do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia (DRCC) do IFGW.  

Segundo ele, a literatura médica relaciona quadros de pneumonia à uma disfunção do endotélio, um tecido que recobre os vasos sanguíneos e que é responsável por controlar a dilatação e a constrição dos vasos para que o fluxo sanguíneo se mantenha constante. Essa incapacidade de regular o fluxo de sangue em diferentes partes do corpo é um fator de alto risco para pacientes de UTI. Quando entubados, a disfunção acaba sendo agravada. E pacientes de covid que evoluíam para um quadro mais grave estavam desenvolvendo pneumonia. “O que a gente pensou era que, talvez, a gente conseguisse prognosticar e saber, com antecedência, as pessoas que responderiam melhor ou pior à intubação que a covid estava exigindo nos casos mais severos”, diz o pesquisador.

“Vimos que conseguíamos medir a saturação de oxigênio durante um teste específico e isso dava, na verdade, uma medida do que a gente chama de reatividade microvascular, que é como os vasos sanguíneos respondem ao fluxo de sangue ou à interrupção do fluxo de sangue”, explica Mesquita. “A gente conseguiria, na verdade, avaliar a saúde do endotélio dos vasos”, complementa.

Para essa medição, foi projetado um aparelho baseado em uma tecnologia chamada de espectroscopia óptica de difusão ou espectroscopia de infravermelho próximo. “Você tem uma fonte de luz, no infravermelho, e você tem alguns detectores que detectam essa luz depois de ela penetrar no tecido. É um sensor óptico mesmo, o princípio de funcionamento é muito similar ao oxímetro de pulso, que ficou famoso na pandemia, por medir a oxigenação, mas esse nosso aparelho mede em tecidos mais profundos, que é onde acontece toda a regulação do fluxo sanguíneo”, observa Mesquita.

CEPID BRAINN - divulgacao aparelho identifica disfuncao endotelial em pacientes de UTIs

O aparelho: sistema simples de usar identifica disfunção endotelial em pacientes de UTIs. Foto: Divulgação

O aparelho funciona da seguinte forma: quando a luz infravermelha penetra no tecido, parte dela vai ser absorvida pelas hemoglobinas do sangue e a parte não absorvida retorna. Pela luz que retorna, os pesquisadores conseguem inferir a quantidade de luz que foi absorvida  pelas hemoglobinas. “E aí tem algumas questões mais técnicas: se você tem dois comprimentos de ondas diferentes no infravermelho, você consegue separar a contribuição da hemoglobina com o oxigênio e da hemoglobina sem oxigênio; a partir daí, você consegue inferir a quantidade de oxigênio que está sendo utilizada por aquele tecido que você está medindo. Usando algumas combinações de fonte de luz, a gente consegue ter um valor absoluto”, diz Mesquita. 

A medição é feita no braço dos pacientes, num músculo chamado braquiorradial. O fluxo sanguíneo é bloqueado por alguns instantes, utilizando-se uma braçadeira de medir pressão arterial, chamada de manguito. Quando o fluxo sanguíneo é liberado, os pesquisadores conseguem perceber a capacidade do tecido de se reoxigenar depois de um período sem oxigenação.

“Essa basicamente foi a ideia: conseguir medir e verificar alguma relação da disfunção endotelial com o desfecho clínico dos pacientes, obtendo uma boa métrica para ver o que teria mais chance de funcionar ou não para esses pacientes que precisavam ser entubados, e quais pacientes teriam mais chances de sobreviver após a intubação”, observa Mesquita. 

Ele lembra que a maior taxa de mortalidade na UTI, inclusive no Brasil, é de pacientes que precisam ser entubados ou que precisam de suporte ventilatório para respirar. “O uso destes suportes está muito associado com a mortalidade. Mas se você consegue prognosticar isso, o médico pode tentar alguma coisa durante a terapêutica, ou ele já sabe que aquele caso é um caso mais severo e pode interferir tentando alternativas que ele não tentaria normalmente”, explica o pesquisador. 

 

Estudo multicêntrico

“A vantagem do estudo multicêntrico, do convênio que firmamos, é que você consegue coletar os dados de muitas pessoas em um intervalo menor de tempo, com a ajuda das outras instituições. Mas, por outro lado, há outros problemas a gerenciar: você precisa garantir que todo mundo está medindo a mesma coisa, que todo mundo está seguindo o protocolo, que o equipamento que está sendo utilizado nos outros centros é o mesmo, com as mesmas características”, diz Mesquita. Segundo ele, os meses iniciais foram para padronização dos protocolos entre os 12 centros de pesquisa e trabalho conjunto com empresas que fabricam os sistemas utilizados nos equipamentos.

Com os centros todos padronizados, foi necessário treinar os profissionais de saúde para que eles pudessem fazer as medidas, porque somente eles estavam autorizados a entrar nas UTIs de pacientes com covid. Daí, vieram outras dificuldades: os profissionais estavam todos ocupados por causa da pandemia; além disso, o treinamento não poderia, por questões de segurança, ser presencial. “Tivemos que entregar os equipamentos para eles e treiná-los remotamente. Mas, como a gente já conhecia os profissionais de saúde, essa comunicação facilitou muito, funcionou, e, desde então, a gente vem coletando dados nas UTIs”, conta o pesquisador.

Ao longo do primeiro ano do projeto, foram coletadas medidas de cerca de 200 pacientes, juntando todos os centros. No Brasil, as coletas foram nos hospitais de clínicas da Unicamp e da USP. O projeto chegou a 500 coletas, desde que foi iniciado. Só na Unicamp e na USP, foram 100 pacientes.

Os tempos mais duros da pandemia passaram e a pesquisa prosseguiu em uma nova etapa. “Hoje a gente tem um outro conjunto de dados, de pacientes que foram entubados, mas que não têm diagnóstico de covid. No Brasil foram entre 60 e 70 coletas de pacientes deste perfil, desde que a covid deu uma acalmada. Nos outros centros, a coleta ainda está em andamento”, informa Mesquita. 

Com os dados dos pacientes sem diagnóstico de covid, os pesquisadores querem comparar três grupos: pessoas saudáveis que não precisariam ser entubadas (reatividade microvascular normal); pessoas que tiveram covid e precisaram ser entubadas, e pacientes que estão na UTI mas que não têm a ver com diagnóstico de covid. 

O pesquisador explica que, num primeiro momento, o estudo foi observacional, conferindo que, de fato, existe uma relação entre a gravidade da doença e o nível de disfunção endotelial. Depois, passou para um segundo momento, de verificar o desfecho dos casos. “Existe um tempo entre a medida e o que aconteceu com o paciente. Às vezes ele foi liberado da UTI, mas foi a óbito um mês, dois meses depois. Ou ficou sequelado. Tem um período que a gente tem que fazer o rastreamento desses pacientes. Estamos analisando esses dados ainda. E, uma vez que você faz essa primeira fase de estudo mais básico, você passa para outra, que são os estudos clínicos para integrar isso, uma coisa que a gente vem começando a conversar agora”, diz Mesquita.

 

Protótipo contou com financiamento da Fapesp e do SUS

O protótipo do aparelho foi construído com financiamento da Fapesp, numa linha de financiamento que recebe recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e que, por isso, tem o acompanhamento da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. O projeto de pesquisa é independente do estudo multicêntrico, mas corre em paralelo. A expectativa é desenvolver um sistema de baixo custo, escalável. “A gente está numa segunda fase desse projeto, que é transformar esse protótipo em um produto viável mínimo. Estamos sofrendo um pouco com a falta de componentes que precisam ser importados da China, como detectores e chips. Infelizmente, o Brasil não produz equipamentos optoeletrônicos que a gente consiga utilizar nesses sistemas”, revela o pesquisador. Ele estima que o aparelho, depois de pronto, deverá ter um preço de custo de fabricação entre 100 e 200 dólares. “Daí tem a questão da empresa que coloca no mercado. A Inova (Agência de Inovação da Unicamp) pode viabilizar essa ponte. A gente tem trabalhado com a escola de engenharia do Insper e alguns alunos têm interesse de levar ao mercado na forma de produto”, conta Mesquita.

“A grande vantagem é que é um sistema pequeno, portátil, sem fios, controlado por um tablet de sete polegadas, touchscreen e com conexão bluetooth, que pode ser usado em qualquer lugar, sem necessidade de instalação. E como estamos trabalhando com os médicos na coleta de dados, vamos tendo o feedback deles, conforme vão usando o sistema. A gente tem trabalhado num sistema que seja simples de usar, totalmente automático e robusto a erro”, explica o pesquisador.

“O que há de novo e de inovador é que, hoje, a gente passou a oferecer uma ferramenta e um protocolo que os profissionais de saúde podem utilizar e que pode dar uma informação mais objetiva para os médicos. Então, o conhecimento (sobre a relação da disfunção endotelial e casos graves), em si, não é novo, mas, conversando com os médicos que estão participando da coleta, eles nos dizem que, agora, conseguem fazer a medição e identificar a disfunção endotelial de uma forma bastante simples, rápida, na beira do leito do paciente antes de ele ser entubado, com um equipamento confiável”, observa Mesquita.

 

Trabalhos publicados

O pesquisador conta que alguns trabalhos já foram publicados. O primeiro foi de validação dos equipamentos. O segundo visou mostrar a sensibilidade e a eficácia do protocolo em detectar a gravidade desses pacientes e foi publicado em meados de 2021 na Critical Care, uma das revistas mais importantes da área. 

No próximo trabalho a ser publicado, ainda sem data definida, a equipe pretende mostrar a sensibilidade ao desfecho clínico desses pacientes. “É um estudo que já sugere números, é um estudo mais quantitativo mostrando que, quando você tem um paciente com um determinado valor de reatividade muscular, isso sugere uma certa probabilidade desse paciente vir a óbito nos próximos 30 dias; e se a reatividade estiver num valor mais baixo, não necessariamente ele terá uma probabilidade de vir a óbito, mas ele tem uma grande probabilidade de ficar  com sequelas graves, ou seja, já é um estudo propondo números e indicações clínicas para os médicos, que é de fato o que eles precisam para poder trabalhar, para poder entender quais são as chances daquele paciente vir a óbito, não vir a óbito, ou ter uma sequela funcional grave ou não”, examina Mesquita.

 

Leia a matéria no site do IFGW Unicamp

 


Compartilhe! / Share this!