BIPMED: novo portal reunirá bancos de dados genômicos da América Latina


iscia lopes cendes - pesquisadora brainn - agencia fapesp
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Reportagem e vídeo da Agência FAPESP destacam a iniciativa BIPMED, da qual o BRAINN faz parte. Conheça em detalhes o projeto.

27 de novembro de 2017     Karina Toledo | Agência FAPESP

 

Com o objetivo de centralizar as informações contidas em todos os bancos públicos de dados genômicos existentes na América Latina, foi lançado no dia 16 de novembro, na sede da FAPESP, o portal Latin American Database of Genetic Variation (LatinGen).

A novidade foi anunciada durante o IV Workshop da Brazilian Initiative on Precision Medicine (BIPMed), que, em parceria com a Rede Latino-Americana de Genética Humana (RELAGH), idealizou a iniciativa.

iscia lopes cendes no projeto bipmed

Lopes-Cendes, durante a apresentação do BIPMED.

“A ideia é que esse portal contenha links para os diferentes bancos de dados de variantes genéticas estabelecidos na região. Caso os dados ainda estejam sendo gerados e não estejam disponíveis publicamente, podemos colocar ao menos os links para os projetos para que todos saibam o que está acontecendo em termos de pesquisa genômica na América Latina”, disse Iscia Lopes-Cendes, professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp) e membro do Comitê Diretivo da BIPMed.

De acordo com Cendes, para participar, os grupos que tenham banco de dados genômicos estruturado – seja de indivíduos controle (população de referência), seja de pacientes com doenças específicas – precisam apenas autorizar que o link de acesso figure no portal LatinGen.

“Já para aqueles que não querem ou não têm condições de montar o próprio banco de dados, oferecemos a estrutura da BIPMed. É relativamente fácil montar o banco, mas se torna uma preocupação constante e requer pessoal dedicado para resolver problemas técnicos”, explicou Cendes.

Além de fomentar o compartilhamento de dados genômicos e a colaboração entre cientistas latino-americanos, o LatinGen também tem a missão de estimular o surgimento de novos projetos na área de medicina de precisão.

Para isso, a equipe da BIPMed pretende oferecer assistência técnica em bioinformática para auxiliar grupos interessados na organização das bases de dados. Também será oferecido treinamento a médicos envolvidos no diagnóstico genético sobre como interpretar os resultados e como comunicá-los à população.

Até o momento, o portal LatinGen já conta com links para o banco de dados genômicos da BIPMed e para o banco do projeto Arquivo Brasileiro Online de Mutações (ABraOM), mantido pela equipe do Centro de Pesquisa sobre o Genoma Humano e Células-Tronco (HUG-CELL), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

Em breve, estarão disponíveis os bancos da Chilean Initiative on Precision Medicine, do Chile, e de grupos vinculados ao consórcio internacional Human Variome Project (HVP) sediados no México, na Argentina e na Venezuela.

“Neste primeiro momento pretendemos centralizar as informações para, quem sabe no futuro, promover a integração de todos esses bancos de dados por meio de mecanismos de busca compartilhada”, contou Cendes.

 

Vários bancos em um

O workshop realizado em 16 de novembro marcou o aniversário de dois anos da BIPMed, iniciativa articulada por integrantes de cinco CEPIDs com o objetivo de criar condições para implantar a medicina de precisão no Brasil.

Fazem parte da BIPMed o Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais (CCES, na sigla em inglês), o Centro de Pesquisa em Terapia Celular (CTC), o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC, na sigla em inglês) e o Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID, na sigla em inglês), liderados pelo Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN, na sigla em inglês).

O primeiro produto lançado no âmbito da BIPMed, em 2015, foi um banco (http://bipmed.iqm.unicamp.br) público de dados genômicos – o primeiro do tipo na América Latina – com dados de indivíduos controle da região de Campinas, interior de São Paulo, que passaram pelo sequenciamento completo do exoma – parte do genoma onde ficam os genes codificadores de proteína e, portanto, onde há mais chance de ocorrerem mutações causadoras de doenças.

“A iniciativa está se expandindo. Além desse banco inicial da população de referência de Campinas, que hoje já beira os 300 indivíduos, temos também bancos de dados de doenças específicas: epilepsia, anomalias craniofaciais e hoje estamos lançando o banco de dados de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, frequentemente associadas a alguns tipos de câncer hereditário, principalmente mama e ovário”, contou Cendes.

O novo banco de dados está sendo estruturado no âmbito de uma iniciativa internacional conhecida como BRCA Challenge, apoiada pelos consórcios Human Variome Project e Global Alliance for Genomics and Health com o objetivo de reunir todas as mutações nesses genes identificadas em pacientes com câncer de mama e de ovário no mundo.

No Brasil, o BRCA Challenge está sendo coordenado pela pesquisadora Patricia Prolla, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

rodrigo secolin bipmed brainn

O pesquisador Rodrigo Secolin, do BRAINN, participou do evento demonstrando os usos práticos da plataforma.

“Iniciamos nossa atividade em junho de 2017 de forma bem humilde: simplesmente compilando e incluindo no banco de dados mutações já publicadas na literatura científica. Todas essas informações, portanto, são de centros acadêmicos. Mas já estamos iniciando conversas com alguns laboratórios comerciais que realizam testes genéticos e têm um número grande de dados que por enquanto estão inacessíveis”, contou Prolla.

Até o momento, o banco conta com 75 variantes descritas para BRCA1 e 87 para BRCA2. O objetivo de Prolla e da equipe da BIPMed é incluir a informação de todos os pacientes com câncer de mama e ovário que já foram testados para mutações nesses genes no Brasil. “Espero que a gente possa triplicar ou quadruplicar esses números até o ano que vem”, disse Prolla.

A médica gaúcha explicou que é possível compartilhar a informação com dois diferentes níveis de detalhamento. No mais básico, basta informar o laboratório de origem, o gene testado e a nomenclatura da variante. Já no mais avançado também são incluídos alguns dados clínicos. Nos dois casos, porém, a identidade do paciente é mantida sob sigilo, seguindo padrões internacionais.

“Só seremos capazes de interpretar o resultado de um teste genético e saber se uma determinada mutação está de fato causando doença se tivermos dados compilados da literatura ou de pacientes para comparar. Portanto, a criação desse banco de dados traz um benefício aplicado para a medicina. Seria um grande avanço se todos os pacientes que fizeram diagnóstico de câncer de mama no país solicitassem ao laboratório que disponibilizasse publicamente os dados em benefício da sociedade”, comentou Cendes.

Ainda durante o IV Workshop da BIPMed, os pesquisadores Marcelo Briones, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Rodrigo Secolin, da Unicamp, apresentaram estudos em andamento que têm se beneficiado dos dados genômicos disponíveis no banco da BIPMed.

Briones estuda fatores genéticos associados à capacidade de metabolização de toxinas e fármacos – o que faz a resposta individual a um tratamento medicamentoso variar fortemente na população.

Segundo o pesquisador, essa característica está associada a polimorfismos nos genes do citocromo P450, uma superfamília ampla e diversificada de proteínas responsáveis por alterar a estrutura de drogas e toxinas, de modo a torná-las inativas no organismo.

“Já se sabe que a resposta a várias drogas varia de acordo com a etnia, mas o Brasil tem uma população bastante miscigenada. Ao estudar os diferentes tipos de genomas mitocondriais, relacionados com a ancestralidade, esperamos identificar pacientes que são maus metabolizadores ou supermetabolizadores para, desse modo, podermos ajustar a dose durante o tratamento”, contou Briones.

Já Secolin ressalta que, embora seja conhecido que a população brasileira contenha traços genéticos de europeus, africanos e nativos americanos, o perfil de miscigenação ainda não é conhecido em detalhes.

“Quando olhamos o genoma de uma pessoa podemos saber, por exemplo, que ela é 50% africano e 50% europeu. Mas meu objetivo é saber em quais partes de quais cromossomos estão as porções identificadas como europeia e as porções identificadas como africana. Esse conhecimento é importante para quem está trabalhando com farmacogenômica [metabolismo de drogas e toxinas, como no caso de Briones] ou com doenças genéticas que possam ter influência da etnia”, disse Secolin.

 

Veja matéria no site da Agência FAPESP
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