Neurofísica é ferramenta para compreender mensagens do cérebro


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Confira matéria do Jornal da UNICAMP sobre uso da Física para interpretar sinais do sistema nervoso e desenvolver tecnologias terapêuticas, em grupo que conta com a participação de pesquisadores do CEPID BRAINN.

27 de maio de 2022  | por Felipe Mateus, para o Jornal da Unicamp

O envelhecimento da população é um desafio que bate à porta de governos, instituições e profissionais que se dedicam a planejar o futuro e cuidar do bem-estar das pessoas. No Brasil, o cenário exige atenção. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2021) aponta uma tendência de redução da taxa de fecundidade acompanhada de maior expectativa de vida dos brasileiros. A população, hoje estimada em 210 milhões, chegaria ao ano de 2100 na faixa dos 178 milhões. O grupo de idosos saltaria dos atuais 15% para 30%. Em um cenário de queda abrupta da fecundidade, o Ipea sinaliza uma redução do total da população para 156 milhões de pessoas, sendo que 40% teriam mais de 65 anos.

A qualidade de vida dessas pessoas exige cuidados especiais. Compreender o funcionamento do cérebro pela detecção de seus sinais pode tornar esses cuidados mais personalizados e eficazes. Este é um dos propósitos do Grupo de Neurofísica, que reúne pesquisadores do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) em parceria com outras unidades da Unicamp.

“Buscamos entender o cérebro e seus processos, como o envelhecimento do órgão. Também buscamos parâmetros que auxiliem no diagnóstico de doenças, na eficácia de um tratamento e nos prognósticos para a evolução de um paciente”, explica Gabriela Castellano, professora do IFGW e integrante do grupo.

Por meio de análises matemáticas de imagens da anatomia cerebral e de mapas funcionais de processos internos do órgão, os pesquisadores conseguem extrair dados importantes para tratamentos médicos. Também desenvolvem e aprimoram tecnologias que podem ser utilizadas em diferentes terapias. Esses avanços têm o potencial de beneficiar desde idosos até pacientes com doenças neuromotoras, vítimas de acidentes, sequelas de AVCs, entre outros.

“A população mundial está envelhecendo, mais pessoas precisam de algum tipo de reabilitação, e não há clínicas e terapeutas suficientes para atender à demanda. Por isso, uma reabilitação que possa ser feita em casa, supervisionada por um terapeuta de forma remota, por exemplo, será algo decisivo”, pontua Castellano.

 

Respostas para os fenômenos cerebrais

As pesquisas do grupo dividem-se em estudos anatômicos e funcionais. Os primeiros realizam a análise de imagens da anatomia cerebral para identificar patologias e extrair parâmetros para diagnósticos. Já nos estudos funcionais, os pesquisadores acompanham processos cerebrais que ocorrem por um período determinado, avaliando suas causas e consequências. As abordagens são complementares, ou seja, em um estudo funcional podem ser utilizadas uma série de imagens anatômicas.

“São técnicas que permitem avaliar a dinâmica cerebral, verificar as regiões do cérebro associadas a um estímulo que uma pessoa venha a receber, enquanto desempenha uma tarefa, por exemplo, e também analisar como a dinâmica cerebral muda ao longo de um período”, detalha Gabriela Castellano.

Os sinais emitidos pelo cérebro podem ser elétricos, advindos dos impulsos nervosos; hemodinâmicos, com base no fluxo de sangue do órgão; e metabólicos, relativos à composição neuroquímica cerebral. Combinando os sinais captados, é possível criar mapas que mostram o funcionamento do cérebro, quais regiões estão envolvidas em uma determinada atividade ou estímulo e como um determinado fator pode influenciar essa dinâmica.

As imagens são coletadas por ressonância magnética, tomografia óptica ou eletroencefalografia. Essas técnicas se baseiam em diferentes princípios físicos, como o uso de campos magnéticos, a difusão de luz infravermelha através do couro cabeludo e a captação dos sinais elétricos dos neurônios. Por captarem sinais distintos, a combinação de técnicas é frequente. É o caso do método EEG-fMRI, que combina a eletroencefalografia, mais precisa na indicação do momento em que um fenômeno ocorre, com a ressonância magnética, que mostra com maior clareza a região estimulada.

Segundo Gabriela Castellano, o estudo dos fenômenos físicos do cérebro favorece a identificação de padrões que tornam seu funcionamento mais previsível. “Buscamos entender qual a natureza dos eventos do cérebro. São sinais medidos através de fenômenos físicos complexos. Por exemplo, os sinais da ressonância são medidos por campos magnéticos que interagem entre si. Por isso, com um bom entendimento sobre essas medições, sabemos mais sobre os sinais cerebrais e o que esperar deles”.

 

Máquinas e cérebros

Um aspecto fundamental dos estudos em neurociência é a interdisciplinaridade. Ela exige dos pesquisadores familiaridade com diferentes campos do conhecimento e capacidade de desenvolver parcerias. Ao mesmo tempo, as descobertas impactam diversas áreas. “A neurofísica ultrapassa a interdisciplinaridade. Ela tem características de transdisciplinaridade. Chegamos a um grau em que, se o pesquisador não consegue lidar, de forma relativamente confortável, com diferentes áreas, como a física, a medicina, a computação, dificilmente será possível responder às questões que nos intrigam”, avalia Rickson Mesquita, docente do IFGW e membro do grupo.

Atualmente, o grupo se dedica a abordar a capacidade de interação entre cérebro, computadores e máquinas e ao desenvolvimento de tecnologias que auxiliem na geração de imagens, captação e processamento dos sinais emitidos pelo cérebro. “De modo particular, buscamos soluções para a medicina. Tentamos desenvolver tecnologias e verificar aspectos dos sinais cerebrais que, hoje, os equipamentos não conseguem medir”, pontua Rickson. Os estudos envolvem pesquisadores de diferentes áreas e são realizados em parceria com outras unidades, como o Instituto de Computação (IC), a Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) e o Hospital de Clínicas (HC).

Rickson explica que os equipamentos desenvolvidos para hospitais e clínicas suprem demandas específicas dos profissionais da saúde. Assim, o conhecimento obtido pelos estudos anatômicos e dinâmicos é aplicado na solução de problemas que surgem no contexto clínico.

“Recentemente desenvolvemos uma tecnologia relacionada à Covid-19, um sistema capaz de monitorar a disfunção endotelial a partir da saturação de oxigênio, problema que pode acometer pacientes em casos mais graves. É um sistema a ser usado especificamente em UTIs, e que está em fase de validação clínica”. Outra tecnologia criada pelo grupo e utilizada no HC da Unicamp é o monitor metabólico, que combina diferentes técnicas para medir o fluxo, a oxigenação sanguínea e o metabolismo cerebral de forma não invasiva. Ele facilita o trabalho de profissionais que atuam em unidades de terapia intensiva (UTI).

Já as pesquisas com a interface cérebro-computador exploram o uso de sinais elétricos emitidos pelo cérebro para comandar dispositivos externos, como mover o cursor de um mouse. Mais do que a possibilidade de controlar o computador com a mente, os estudos são promissores para terapias de estimulação do sistema nervoso central.

“Usamos um protocolo chamado Imagética Motora. Ele parte do princípio de que, quando você imagina um movimento do corpo, são ativadas regiões cerebrais muito similares às que atuam quando o movimento é de fato realizado. São áreas bem localizadas, no córtex motor, uma região no centro do cérebro, e os sinais são detectados com certa facilidade”, explica Castellano. Nesses casos, a imaginação do movimento pode ser usada como recurso complementar ao trabalho motor, já que ela estimula a plasticidade cerebral. “Como são ativadas áreas do cérebro muito similares às relacionadas aos movimentos, ocorre uma reorganização dessas regiões e novas sinapses são criadas”.

O desafio agora é criar equipamentos menores, que possam ser inseridos em experiências do cotidiano em que o cérebro executa uma tarefa ou recebe um estímulo. Por exemplo, para medir a atividade cerebral enquanto as pessoas dirigem ou praticam um esporte. “No cotidiano, o cérebro funciona de forma diferente de quando a pessoa é colocada em uma máquina de ressonância magnética. Não é a mesma coisa medir processos cognitivos em um ambiente natural”, comenta Rickson, que acredita que os estudos devem, com isso, tornar-se mais precisos, ampliando o espectro de aplicação das técnicas. “Há impactos em várias áreas, desde a forma como as crianças aprendem até as mudanças na memória conforme as pessoas envelhecem”.

 

Neurofeedbacks e realidade virtual

Uma das possíveis  aplicações da neurofísica é o chamado treinamento por neurofeedback, vertente da neurociência que ainda demanda pesquisas que comprovem sua eficácia. Ele se apoia na ideia de que o cérebro pode se automodular para desempenhar atividades a partir de feedbacks, geralmente estímulos visuais que mostram a tarefa sendo executada (como o movimento de um cursor para a direita ou para a esquerda em uma tela, por exemplo). Aplicando-se o conceito da imagética motora, o estímulo neural envolvido no movimento, aliado ao feedback visual, seria benéfico à plasticidade cerebral.

Esse foi o estudo realizado por Carlos Stefano Filho em sua Tese de doutoramento, realizada no IFGW. Pesquisador de pós-doutorado ligado ao Grupo de Neurofísica, ele verificou o quanto a resposta cerebral ao treinamento por neurofeedback era observável por meio da eletroencefalografia. O trabalho recebeu o prêmio de melhor Tese do Instituto em 2021. “A ideia foi desenvolver um sistema de detecção da imaginação motora e devolver o feedback dessa atividade, para que isso pudesse orientar o desenvolvimento de estratégias. Em nosso projeto, o feedback ocorria por meio de um cursor na tela do computador, que se movia conforme os padrões de imaginação que esperávamos detectar”, explica.

 

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