Jornal da Unicamp: pesquisa do BRAINN sobre Displasia Cortical Focal é destaque


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Matéria “Quando o silenciamento falha” revela como gene com expressão desregulada está dentre as possíveis causas da Displasia Cortical Focal, malformação causadora de epilepsia de difícil controle.

09 de maio de 2018     | por Camila Delmondes, para o Jornal da Unicamp | Fotos: Antoninho Perri / Divulgação | Edição de Imagem: Luis Paulo Silva

 

Genes não silenciados durante a fase de desenvolvimento intrauterino estão entre as possíveis causas da Displasia Cortical Focal (DCF), um tipo de malformação do córtex cerebral, caracterizada clinicamente pela ocorrência da epilepsia de difícil controle em crianças e adultos.

É o que aponta o artigo Dysregulation of NEUROG2 plays a key role in focal cortical dysplasia, publicado na revista Annals of Neurology, por uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e do Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (Cepid Brainn/Fapesp).

O estudo multidisciplinar conduzido pela biotecnologista Simoni Avansini, sob a orientação da médica-geneticista Íscia Lopes-Cendes, foi realizado a partir da análise de fragmentos de tecido cerebral de 16 pacientes do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp submetidos a tratamento cirúrgico das crises convulsivas, e mostrou a existência de uma falha no silenciamento do gene neurogenina. A falha acontece, provavelmente, nos primeiros quatro meses de gestação.

A professora e geneticista Íscia Lopes-Cendes, orientadora do estudo: pesquisa propõe novos caminhos

 

“O gene neurogenina é responsável pela diferenciação das células precursoras do sistema nervoso central em neurônios e células da glia, e somente é expresso durante a fase de desenvolvimento intrauterino. Observamos, no entanto, que ele continua sendo expresso nos pacientes com DCF, em idade adulta”, explica Simoni.

Para entender os mecanismos moleculares envolvidos na DCF, a pesquisadora lançou mão de um atalho.“Como numa pescaria, fizemos uso de uma isca, uma molécula de RNA pequeno, chamado microRNA. Inicialmente, utilizando um estudo sem uma pergunta específica (estudo agnóstico), fizemos um rastreamento (screening) de quais microRNAs estavam diferencialmente expressos no tecido desses pacientes quando comparado ao tecido de indivíduos do grupo controle.  A partir deles, usamos uma base de dados online para verificar quais genes estavam sendo ancorados por essa isca. Vários ‘peixes’ (genes) foram fisgados, e, dentre eles, o que mais se destacou foi a neurogenina, pelo fato de somente ser expresso durante a fase de desenvolvimento intraútero e numa região específica do cérebro chamada zona ventricular”, explica Simoni.

De acordo com a pesquisadora, por algum motivo ainda sem explicação, o microRNA responsável pelo silenciamento da neurogenina não consegue se ligar ao gene para interromper, gradativamente, a sua expressão. “Acreditamos que essa interação não ocorre e a expressão da neurogenina continua muito alta no cérebro dos pacientes adultos, quando deveria ter sido silenciada ainda na fase de desenvolvimento intrauterino”.

Integrantes da equipe com pesquisadores de diferentes áreas

 

O desenvolvimento do córtex cerebral pode ser dividido nas fases de proliferação e diferenciação, migração e pós-migração ou organização. Além de demonstrar uma falha durante a diferenciação neuroglial, quando as células-tronco neuronais deveriam se diferenciar em neurônios ou células da glia, a pesquisa também identificou uma falha na fase de migração neuronal, quando acontece a organização correta dos neurônios.

“Na medida em que as células neuronais diferenciam-se em neurônios ou células da glia, elas devem migrar e se posicionar em seis camadas de forma ordenada e, posteriormente, formar os circuitos neuronais. Em teoria, um gene que apresenta alterações na fase de proliferação e diferenciação, afetará também a fase posterior, que é da migração. Foi o que aconteceu com o gene NEUROG2, que regula a expressão do gene RND2, também encontrado com a expressão aumentada nos tecidos dos pacientes com DCF”.

 

Entenda

Na DCF, o córtex cerebral dos pacientes é formado por neurônios muito grandes e desorganizados (figura à esquerda, abaixo), e células anormais indiferenciadas, conhecidas por células em balão (figura à direita, abaixo). Essas últimas células, além de apresentarem marcadores específicos das células indiferenciadas, possuem características tanto de neurônio quanto de células da glia.

“É como se o desenvolvimento do córtex cerebral tivesse parado, mas não sabemos ao certo quando parou e porque parou. Se parou em decorrência de mutações genéticas específicas ou por causa de fatores ambientais, como contaminação por agentes infecciosos, mudanças bruscas de temperatura, ou traumas”, explica Simoni.

À esq., neurônio dismórfico, marcado com o anticorpo neuronal MAP-2; à dir., célula em formato de balão, marcado com nestina, anticorpo próprio de células imaturas

 

O resultado dessa falha no desenvolvimento cortical, de acordo com a pesquisadora, pode levar a formação de circuitos neuronais aberrantes que disparam cargas elétricas anormais, intensas e frequentes. “Os pacientes são gravemente afetados por crises convulsivas já nos primeiros dias de vida. São pessoas que convulsionam o tempo todo, por vezes, ultrapassando a marca de 50 crises por dia”, explica.

 

Novos caminhos

De acordo com Íscia Lopes-Cendes, orientadora do estudo, a hipótese causal mais dominante para a DCF, até o momento, é a ocorrência de mutações na via de sinalização PI3K/AKT/mTOR em algumas células precursoras . No entanto, alterações nesta via metabólica ajudam a explicar, no máximo, 40% dos casos relativos a esse tipo de malformação cortical.

“Ao evidenciar que a supressão menos eficiente da expressão do gene neurogenina repercute nas fases de diferenciação e migração neuronais e, potencialmente, na geração de crises convulsivas resistentes às medicações antiepilépticas, a pesquisa realizada por uma equipe multidisciplinar composta por neurologistas, radiologistas, psicólogos, neurocirurgiões,neuropatologistas, bioinformatas e geneticistas, propõe novos caminhos”, comenta Íscia em relação à relevância da publicação.

Leia a matéria também no site do Jornal da Unicamp

 


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