Ataxia de Friedreich: estudo revela novos insights sobre patogênese da doença


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Trabalho criou nova metodologia para analisar dados de imagem e abre caminho para aprimorar resultados de testes de medicamentos.

 

CEPID BRAINN - Divulgação notícia Ataxia Friedreich - Capa Movement DisordersOs pesquisadores Thiago J.R. Rezende e Marcondes C. França Jr, do CEPID BRAINN, em colaboração com colegas internacionais, publicaram no último mês o artigo “Progressive Spinal Cord Degeneration in Friedreich’s Ataxia: Results from ENIGMA-Ataxia” no importante periódico Movement Disorders (fator de impacto 9.698).

O artigo traz novas informações e insights sobre a fisiopatologia da ataxia de Friedreich, em especial sobre as alterações na medula espinhal causadas pela doença, assim como aponta essa região como potencial biomarcador de imagem para ensaios clínicos.

Para compreender os resultados do estudo, acompanhe a seguir o que é a ataxia de Friedreich – a forma mais comum de ataxia hereditária – e a relevância do grupo ENIGMA-Ataxia para a obtenção dos resultados.

 

O QUE É A ATAXIA DE FRIEDREICH?

Ataxia’ é o nome dado a sintomas neurológicos relacionados à falta de coordenação muscular e motora. Nas palavras do médico neurologista Dr. Alberto Rolim Muro Martinez, do grupo de pesquisas Neuromusculares e Neurogenéticas da Unicamp, “a ataxia é definida pela incapacidade de realizar movimentos finos, precisos e coordenados”.

No caso da ataxia de Friedreich, esses sintomas se manifestam principalmente…

  • na dificuldade de caminhar e se manter ereto, em particular por falta de coordenação motora nas pernas,
  • em reflexos mais lentos,
  • na dificuldade de falar
  • e na perda de sensibilidade nos membros.

Divulgacao-noticia-Ataxia-Friedreich-Dificuldades-motoras

Os primeiros sintomas costumam surgir cedo na vida, entre os 05 e os 20 anos, mas podem aparecer mais tarde também. Conforme a doença progride, ela pode resultar em problemas cardíacos, incapacidade de locomoção e perda da visão ou da audição.

A ataxia de Friedreich é uma doença genética, que leva o corpo a produzir quantidades menores de uma proteína chamada frataxina. A doença ainda não tem cura. As pessoas afetadas costumam ter uma expectativa de vida menor do que o normal, devido principalmente aos problemas cardíacos. No geral, os problemas motores e cardíacos podem ser mitigados com o uso de reabilitação e medicamentos, respectivamente, porém continuam sendo debilitantes.

O nome da doença é uma homenagem ao médico alemão Nikolaus Friedreich, que a descreveu pela primeira vez nos anos 1860.

 

PESQUISADORES DO MUNDO INTEIRO UNIDOS NO ESTUDO DA DOENÇA

Como vimos acima, apesar de ter sido descrita na literatura médica há mais de 160 anos, ainda não há uma cura ou tratamentos específicos para a ataxia de Friedreich, dada sua complexidade. Porém, grupos de pesquisadores em todo o mundo trabalham juntos em estudos para ampliar a compreensão de como a doença afeta o organismo – e, neste ponto, os resultados do novo trabalho têm muito a colaborar.

“De estudos prévios, principalmente os anatomopatológicos, sabe-se que as principais estruturas acometidas no sistema nervoso na ataxia de Friedreich são o cerebelo, os gânglios da raiz dorsal e a medula espinhal”, explica o pesquisador Thiago Rezende, um dos autores do trabalho. “[A medula espinhal], embora seja conhecida, foi pouco explorada, já que a maioria dos estudos focaram no cerebelo ou no cérebro”.

CEPID BRAINN - Thiago Junqueira R. de Rezende

O pesquisador Thiago Rezende, um dos autores do novo estudo.

 

O novo estudo analisou imagens da medula espinhal em grupos controle e em pessoas com a ataxia, utilizando uma coorte maior de dados do que estudos anteriores. Além de maior, era composta por pacientes de idades e origens étnicas diferentes, o que enriqueceu as análises.

“Por exemplo, [antes] não estava claro como as alterações morfométricas da medula se davam ao longo do curso da doença, se havia alguma diferença na magnitude, progressão e associação com variáveis clínicas […] para pacientes pediátricos versus adultos e em indivíduos com início precoce e tardio dos sintomas”, explica Thiago.

A análise dessa coorte só foi possível graças à cooperação internacional com o grupo ENIGMA-Ataxia (saiba mais sobre ele a seguir). O uso de uma quantidade maior de dados e de pacientes diferentes permitiu aos pesquisadores expandir as análises sobre a medula espinhal, resultando em novos insights e perspectivas sobre a progressão da doença.

O grupo ENIGMA-ataxia

A fim de compreender em detalhes diversos tipos de ataxia, foi criado em 2011 o consórcio ENIGMA-Ataxia, uma colaboração internacional entre especialistas em genômica, neurologia e psiquiatria, vinculados a dezenas de centros de pesquisa e universidades, para compartilhamento de imagens de ressonância magnética de pessoas com e sem ataxias.

O compartilhamento de dados permite que os pesquisadores identifiquem alterações causadas pelas ataxias e possam estudar a fundo as causas e as consequências das doenças.

Atualmente, 19 centros de pesquisa, espalhados em todo o mundo (Estados Unidos, Brasil, Alemanha, Taiwan, Austrália, dentre outros países, fazem parte da iniciativa), fornecem imagens para o grupo, padronizando-as para que os dados obtidos possam ser analisados de forma harmônica e incorporados com maior eficiência às bases de dados médicos.

 

NOVOS MÉTODOS E RESULTADOS

O estudo em questão padronizou o protocolo de processamento de imagem para obter métricas da medula espinhal cervical, validado pelo consórcio ENIGMA, e que foi aplicado na análise de dados de 256 pacientes com a ataxia de Friedreich e 223 controles, pareados por sexo e idade.

Os resultados dessa metodologia inovadora mostraram:

  • Redução significativa da área da medula em indivíduos com a ataxia, em todos os níveis vertebrais examinados;
  • Correlações entre essas áreas da medula e a escala de gravidade da doença;
  • Que as áreas da medula, inclusive com excentricidades identificadas nas imagens, já estão alteradas nos estágios iniciais da doença; a área provavelmente diminui com a progressão da doença, enquanto a excentricidade permanece estável.

“Tomados em conjunto, a área da medula surge como um potencial candidato a biomarcador de imagem para rastreamento clínico na ataxia de Friedreich”, explica Thiago.

“Além disso, mostramos que a relação hipoplasia e degeneração acontece em tratos distintos da medula espinhal, sendo o dano desenvolvimental relacionado às alterações encontradas na coluna dorsal, enquanto no trato córtico-espinhal temos um mix de desenvolvimental e degenerativo”, detalha o pesquisador.

 

Estima-se que, no Brasil, cerca de 850 pessoas podem ser portadoras da ataxia de Friedreich. Oficialmente, o país é o segundo com mais pacientes em todo o mundo. Se, no momento, os tratamentos são meramente paliativos, o futuro parece promissor.

Novos medicamentos para a doença estão em fase inicial de testes, alguns deles com a participação da Unicamp. Os resultados do estudo atual – identificando a região da medula como potencial biomarcador da doença – poderão ser fundamentais para ajudar os pesquisadores não apenas a compreender melhor a ação desses medicamentos, como também a determinar a eficiência do tratamento.

 

REFERÊNCIAS

Rezende TJR, Adanyeguh IM, Arrigoni F, Bender B, Cendes F, Corben LA, Deistung A, Delatycki M, Dogan I, Egan GF, Göricke SL, Georgiou-Karistianis N, Henry PG, Hutter D, Jahanshad N, Joers JM, Lenglet C, Lindig T, Martinez ARM, Martinuzzi A, Paparella G, Peruzzo D, Reetz K, Romanzetti S, Schöls L, Schulz JB, Synofzik M, Thomopoulos SI, Thompson PM, Timmann D, Harding IH, França MC Jr. Progressive Spinal Cord Degeneration in Friedreich’s Ataxia: Results from ENIGMA-Ataxia. Mov Disord. 2023 Jan;38(1):45-56. doi: 10.1002/mds.29261. Epub 2022 Oct 29. PMID: 36308733; PMCID: PMC9852007.

https://movementdisorders.onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/mds.29261


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