Alterações em rede neurofuncional fornecem pistas sobre Alzheimer


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Reportagem do Jornal da Unicamp destaca estudo sobre Alzheimer realizado por pesquisadora vinculada ao BRAINN. 

12 de Dezembro de 2016

Texto: Carlos Orsi         Edição de Imagens: André Vieira

 

A organização das atividades mentais no cérebro se dá por meio de redes – regiões cerebrais distintas que se ativam de modo coordenado, por exemplo, quando uma pessoa escreve, puxa pela memória ou toma uma decisão. Tese defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp aponta alterações em algumas dessas redes que ocorrem em pacientes da Doença de Alzheimer, principalmente na chamada Rede de Modo Padrão (DMN, sigla em inglês para “Default Mode Network”), que se ativa quando o cérebro está acordado mas “em repouso”, sem fixar sua atenção em nenhuma tarefa específica.

“As regiões da DMN, que se encontram ativadas durante períodos de atividade mental de cunho interno, se desativam quando os indivíduos se engajam em atividades que requerem atenção externa”, explica a pesquisadora Marina Weiler, autora da tese “Avaliação por Ressonância Magnética das Conectividades Funcional e Estrutural das Redes Neurofuncionais na Demência da Doença de Alzheimer Leve e Comprometimento Cognitivo Leve Amnéstico”.

“Na última década, a DMN tornou-se a rede neurofuncional de maior interesse no campo do Alzheimer por diversas razões”, disse ela. A tese é composta por oito artigos científicos, que analisam a conectividade das redes neurofuncionais e outros aspectos anatômicos do Alzheimer. “Pesquisas na área da neuroimagem mostraram que pacientes com a doença desativam menos a DMN durante atividades cognitivas, como, por exemplo, durante testes de atenção”, declarou Weiler. “Além disso, estudos recentes mostraram que as redes neurofuncionais podem ser ‘caminhos’ de propagação dos processos neurodegenerativos, sendo ‘vias de transmissão’ das proteínas alteradas. No caso da Doença de Alzheimer, a DMN seria a primeira e principal rede neurofuncional afetada nos pacientes”.

 

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A DOENÇA

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Alzheimer é a principal causa de demência no mundo, respondendo por até 70% dos casos. Demência é definida como uma síndrome formada pela deterioração de capacidades mentais como memória, raciocínio, comportamentos e a habilidade de realizar tarefas habituais.

Ainda de acordo com a OMS, há 74,5 milhões de pessoas com demência no mundo, e 7,7 milhões de novos casos surgem a cada ano. A organização Alzheimer’s Disease Internacional, baseada no Reino Unido, estima que o número de pacientes de demência dobra a cada 20 anos.

Nos pacientes de Alzheimer, as regiões cerebrais que a compõem a DMN sofrem atrofia, depósito de placas senis – formadas principalmente pela proteína beta amiloide –, o aparecimento de aglomerações de uma outra proteína dentro dos neurônios, chamadas de emaranhados neurofibrilares, e a redução do metabolismo da glicose.

“As razões pelas quais a doença atinge especificamente algumas áreas do cérebro ainda são desconhecidas”, disse a pesquisadora. “Durante a última década, entretanto, algumas pesquisas mostraram que a atividade neural pode regular a produção e secreção de beta amiloide, onde áreas cerebrais que possuem maior atividade neural estão associadas com maior produção da proteína”.

Weiler explica que algumas teorias evolutivas sugerem que a adaptação a um nicho cognitivo mais alto, como o que os humanos ocupam, exigiu uma maior atividade cerebral em algumas áreas, que mantêm neurônios adultos com características juvenis, como maior atividade sináptica e plasticidade, e maior metabolismo. “O preço que essas regiões pagam, entretanto, é possuir maior metabolismo aeróbio e estarem mais suscetíveis ao estresse oxidativo, e a danos”, descreve.

“Essas áreas cerebrais são conhecidas como multimodais/associativas e têm papel chave em vários processos cognitivos, estão altamente conectadas entre si. Visto que o Alzheimer é uma doença que aparece sobretudo em humanos, seria esperado que houvesse uma sobreposição entre os mecanismos da doença e aspectos que são únicos ao cérebro humano”.

“As lesões da doença aparecem justamente nessas regiões, num primeiro instante”, acrescentou. Ela menciona ainda que alguns estudos também propuseram que as alterações em proteínas (que são uma marca da doença) teriam uma função adaptativa para o cérebro, fornecendo proteção contra o estresse oxidativo e infecções. “Apenas sob algumas circunstâncias é que as propriedades neurotóxicas se desenvolveriam, e afetariam os neurônios de maior atividade sináptica, plasticidade e metabolismo”.

“Alguns trabalhos mostram que a conectividade da DMN não apenas diminui com a idade, mas também com o progresso da doença nos pacientes. Alguns autores sugerem que o Alzheimer seria como um ‘super envelhecimento’ do cérebro”.

 

TEMPO E IMAGEM

Um dos artigos que compõem a tese trata da alteração do “self” – o senso de “si mesmo” – nos pacientes com Alzheimer, apontando uma possível conexão entre esse sintoma e a perda do senso de continuidade temporal (a impressão subjetiva de que a identidade pessoal é estável e de que os eventos se desdobram de modo contínuo ao longo do tempo). Esse senso de continuidade pode estar ligado à função da DMN.

“A degeneração de redes neurofuncionais – especificamente a DMN na doença de Alzheimer – pode estar ligada a problemas cognitivos ou psiquiátricos, como o déficit na memória episódica e problemas no senso de continuidade temporal e consciência, conforme proposto num dos capítulos dessa tese”, disse a autora. “A relação entre a DMN e o senso de continuidade temporal já havia sido proposto antes na literatura; o que enfatizamos foi a ligação do senso de continuidade temporal com o ‘self’ dos pacientes (que sabemos estar afetado), e consequentemente com as alterações em regiões que compõem a DMN”.

O artigo que trata do assunto propõe que o processamento do senso de continuidade provavelmente ocorre nos momentos mentais “passivos”, onde áreas do cérebro envolvendo a DMN têm um papel fundamental.

“É importante ressaltar que tanto alterações na conectividade funcional quanto estrutural da DMN possuem relação com o déficit cognitivo apresentado pelos pacientes”, diz a tese. “Além disso, alterações nessa rede podem também estar ligadas ao sentimento de autocontinuidade temporal. A perda desse sentimento, por sua vez, está ligada às alterações nos aspectos cognitivos considerados de ‘alto nível’”. Nos pacientes com Alzheimer, prossegue o texto, “isso pode ser exemplificado pela perda na identidade, déficit no reconhecimento de características pessoais, e perda de conhecimento da própria história”.

A tese também enfatiza a importância do uso de técnicas de imageamento, como ressonância magnética funcional, no diagnóstico da doença, e aponta que, com técnicas assim, é possível encontrar, em pessoas com Comprometimento Cognitivo Leve amnéstico (CCLa) – ou seja, que têm um desempenho pior em testes de memória episódica do que o esperado para a idade – sinais de comprometimento da DMN, ainda que em escala menor que nos de Alzheimer. O CCLa às vezes pode ser um prenúncio da doença.

“A pesquisa envolvendo a aplicação de técnicas de imageamento da DMN em pacientes com comprometimento cognitivo leve amnéstico ainda está engatinhando”, disse Weiler. “Os resultados das pesquisas são bastante controversos e divergentes. Alguns autores mostram que a DMN se encontra hiperativada ou hiperconectada nesses indivíduos, mas outros estudos mostram o contrário. Isso pode ocorrer devido a diversos fatores, como a heterogeneidade dos indivíduos envolvidos, o caráter transversal das pesquisas, ou mesmo as metodologias utilizadas. Para tal avanço, precisamos de estudos que acompanhem os indivíduos assintomáticos e comprometidos ao longo de muitos anos, e identificar naqueles indivíduos que convertem para o Alzheimer as anormalidades na DMN”.

 


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