Cientistas treinam neurônios para estudar funcionamento da memória


nathalia peixoto agencia fapesp
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Agência FAPESP entrevista a dra. Nathalia Peixoto, palestrante convidada do 4º Congresso do BRAINN, e destaca seus trabalhos com memória.

06 de abril de 2017     Republicação de Texto por Karina Toledo – Agência FAPESP

 

Seriam neurônios cultivados in vitro capazes de aprender? Resultados de experimentos conduzidos na George Mason University (GMU), nos Estados Unidos, sugerem que sim.

A responsável pelo “treinamento” neuronal é a brasileira Nathalia Peixoto, professora no Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da GMU e ex-bolsista da FAPESP. O objetivo da pesquisa é avançar na compreensão do funcionamento do cérebro – particularmente dos mecanismos relacionados à memória – em condições normais e também no contexto de doenças como Alzheimer e epilepsia.

O tema foi abordado por Peixoto no final de março, durante o 4th BRAINN Congress – evento organizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pelo Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.

“Compreender a dinâmica do cérebro in vivo em estados normais e patológicos é um dos grandes desafios atuais da ciência. Mas a complexidade do funcionamento cerebral pode tornar inviável a solução desse problema. Por esse motivo, temos buscado desenvolver modelos experimentais e computacionais que permitam esse estudo em um cenário mais simples e controlado”, explicou a cientista.

No laboratório de Peixoto, neurônios do córtex frontal e da medula espinhal extraídos de embriões de camundongos são colocados para crescer em uma placa de vidro contendo uma matriz de microeletrodos. Esses dispositivos têm a função de registrar os sinais elétricos emitidos pelas células nervosas (os impulsos nervosos ou potenciais de ação) e também de estimulá-las eletricamente quando necessário.

As células são mantidas em uma incubadora a 37º C e alta umidade até que – passadas aproximadamente três semanas – começam a se organizar na forma de redes neuronais, trocando informações por meio de sinapses químicas e elétricas. Alguns dias depois, o treinamento com estimulação elétrica tem início.

“Nesse estágio, temos o chamado brain in a dish ou cérebro no prato”, brincou Peixoto. “Inicialmente, as células são estimuladas com um campo elétrico de baixa frequência para que o padrão de resposta seja registrado. Em seguida, aplicamos um sinal de treinamento de alta frequência e observamos uma resposta muito mais intensa por parte dos neurônios. Quando retornamos ao padrão anterior de estimulação [de baixa frequência], percebemos que as células apresentam sensibilidade aumentada. É como se mantivessem a memória do sinal de treinamento.”

Testes estão sendo feitos para investigar até que ponto os neurônios em cultura conseguem reconhecer padrões de estimulação elétrica. Um deles consiste em ativar os microeletrodos seguindo uma sequência predeterminada, de modo a formar uma letra. O objetivo é descobrir se, ao variar a letra, a resposta dos neurônios também varia seguindo um determinado padrão – algo semelhante a uma conversa.

Em outro experimento, o grupo de Peixoto acrescentou à cultura de neurônios agregados da proteína beta-amiloide – a mesma substância encontrada no cérebro de portadores de Alzheimer – e observou que isso prejudicou a atividade elétrica das células.

“Em apenas um dia, os neurônios pararam de gerar potenciais de ação, o que impediu a realização dos testes de memória. Avaliamos então quais os tipos de beta-amiloide que mais afetam as culturas e, em geral, são os tipos que os pacientes com a doença apresentam e que formam placas”, disse Peixoto.

O grupo pretende agora testar alternativas potencialmente capazes de recuperar a atividade elétrica dos neurônios.

“Dados da literatura científica indicam que uma substância presente na cúrcuma é muito boa para atrasar o desenvolvimento das placas beta-amiloides. Existe a hipótese de que talvez seja possível resgatar a atividade normal do cérebro se ele estiver protegido contra a formação de placas. Pretendemos fazer esse teste e, então, provar que a capacidade de memória se mantém intacta”, disse a pesquisadora.

Segundo ela, seu objetivo como engenheira – formada pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – é tentar “consertar o que está quebrado” e, por esse motivo, busca estabelecer in vitro modelos de doenças que afetam o cérebro para tentar reverter as condições patológicas por meio da aplicação de campos elétricos ou magnéticos.

“Já sabemos que, no caso do Parkinson, é possível controlar sintomas como os tremores por meio da terapia de estimulação cerebral profunda. Embora a gente não saiba ao certo o porquê. Queremos estudar melhor os efeitos da estimulação elétrica de neurônios e usar essa metodologia para medir, no cérebro, substâncias químicas como dopamina, ácido ascórbico e ácido úrico”, disse.

Outra linha de pesquisa coordenada pela brasileira na GMU tem como objetivo desenvolver novos tipos de eletrodos para serem usados em equipamentos de estimulação cerebral profunda (DBS, de Deep Brain Stimulation). Além de Parkinson, essa terapia vem sendo estudada na recuperação de pessoas que sofreram acidente vascular cerebral (AVC) e no tratamento de depressão, dor crônica e transtorno obsessivo-compulsivo.

“Tradicionalmente, a estimulação profunda do cérebro é feita com eletrodos feitos de platina e irídio. Nós estamos testando, in vitro, nanotubos de carbono e também um polímero condutor conhecido como PEDOT [poli(3,4-etileno dioxitiofeno)]. Nosso objetivo é diminuir a resistência dos eletrodos e, assim, tornar a estimulação menos agressiva para as células e aumentar o tempo de bateria do equipamento”, contou.

 

Leia a matéria completa no site da FAPESP

 


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