Esclerose lateral amiotrófica: em busca do diagnóstico precoce


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Matéria da Agência FAPESP destaca trabalho de pesquisa da equipe do BRAINN na busca por marcadores precoces da esclerose lateral amiotrófica, a 3ª doença degenerativa mais comum no mundo.

18 de abril de 2017     Republicação de Texto por Peter Moon – Agência FAPESP

 

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença caracterizada pela degeneração de neurônios motores e que apresenta progressão geralmente rápida.

“A partir do momento do diagnóstico, cerca de 90% dos pacientes têm sobrevida de três a cinco anos”, disse Marcondes Cavalcante França Jr., chefe do setor de Doenças Neuromusculares da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Marcondes e equipe são os responsáveis pelo atendimento dos pacientes com ELA no Hospital das Clínicas da Unicamp.

“Incurável, ELA é a terceira doença neurodegenerativa mais comum, depois do Alzheimer e Parkinson, e a que menos se conhecem as causas. Não conhecemos a etiologia da doença ou qual o seu fator desencadeante. Mas sabemos que de 5% a 10% dos casos têm substrato genético. E que cerca de 15 genes, quando sofrem mutação, estão relacionados ao desenvolvimento de ELA”, disse.

Na maioria dos casos, a esclerose lateral amiotrófica acomete pessoas com idades entre 50 e 65 anos. A prevalência no Brasil é de cinco casos para cada 100 mil habitantes. Hoje, aqui, leva-se em torno de 14 meses desde o aparecimento dos primeiros sintomas até a confirmação do diagnóstico. Nos Estados Unidos, Europa e Japão leva-se um pouco menos: 12 meses.

O tempo é longo por uma série de fatores. Os primeiros sintomas podem ser confundidos com os de outras doenças. O doente pode demorar a procurar um médico e, quando o faz, muitas vezes precisa recorrer a outros profissionais até receber o diagnóstico correto.

“Nosso trabalho visa encontrar meios para diagnosticar ELA em uma fase precoce, de modo a que os médicos possam melhor auxiliar o paciente durante a progressão da doença, bem como saber quais os tipos de tratamentos e de equipamentos que ele vai necessitar e quando”, disse Marcondes.

Marcondes e equipe buscam encontrar marcadores de imagem, sanguíneos e genéticos, que possam auxiliar no diagnóstico precoce da doença. O resultado mais recente da pesquisa foi publicado na revista NeuroImage: Clinical e está centrado no uso de técnicas avançadas de análise de imagens de ressonância magnética, capazes de revelar marcadores de ELA.

O estudo, conduzido no âmbito do Instituto Brasileiro de Neurociência e Neurotecnologia (BRAINN) – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP –, resulta também do doutorado de Milena de Albuquerque, orientado por Marcondes.

Foram analisadas imagens de ressonância magnética de 63 pacientes com ELA do Hospital das Clínicas da Unicamp. Os focos da análise foram a espessura do córtex cerebral, o volume dos gânglios basais na região mais profunda do cérebro e a análise da substância branca do cérebro.

Os pesquisadores também analisaram a medula espinhal, comparando imagens obtidas no momento do diagnóstico de ELA com outras feitas oito meses depois, de modo a poder observar a evolução da doença.

“Encontramos alteração de espessura no córtex da região pré-central, a região motora primária. Observamos também alterações em tratos da substância branca na região profunda do cérebro e também no corpo caloso (estrutura localizada na fissura longitudinal e que conecta os hemisférios cerebrais). Por fim, detectamos redução progressiva de volume na medula espinhal”, disse Marcondes.

Segundo o neurologista, trabalhos anteriores mostraram alterações no córtex cerebral, “mas a quantificação do grau de atrofia na medula é algo novo. Os estudos anteriores se debruçaram sobre o cérebro ou a medula, mas praticamente nenhum abordou ambos ao mesmo tempo”.

“Em seguida, comparamos os diferentes parâmetros de imagens para saber qual o mais sensível para detectar a progressão da doença. Vimos que eram exatamente as imagens da medula espinhal. A conclusão é que devemos analisar com mais cuidado a medula espinhal, pois se trata de um dos marcadores mais sensíveis para o acompanhamento de pacientes com ELA no longo prazo e, portanto, útil para a estimativa do prognóstico”, disse.

 

Marcadores genéticos

“Os sintomas iniciais de ELA são perda de força e atrofia muscular localizada. A doença tende a se espalhar, levando à perda generalizada dos movimentos e à imobilização do paciente. Nos últimos estágios da doença, o paciente perde a capacidade de deglutir, passando a receber nutrição por sonda, e até de respirar, sendo conectado ao respirador artificial”, explicou Marcondes.

Em cerca de 90% dos casos, a progressão é rápida. Nos demais, no entanto, a progressão é mais branda, com os doentes ultrapassando a barreira dos cinco anos de sobrevida após o diagnóstico e sobrevivendo por até 10 ou muito raramente 20 anos.

É o caso do físico inglês Stephen Hawking, a vítima mais conhecida da doença. Hawking foi diagnosticado com ELA quando tinha 21 anos, em 1963. Na época, seus médicos lhe deram dois anos de sobrevida. Em janeiro, Hawking completou 75 anos.

Uma segunda linha de pesquisa da equipe de Marcondes em busca do diagnóstico precoce da ELA está centrada em marcadores genéticos. O RNA (ácido ribonucleico) é uma molécula responsável pela síntese de proteínas nas células. Existe um tipo de RNA, chamado microRNA, cuja função é regular a expressão de diversos genes. Há microRNAs que são expressos no cérebro e também nos músculos, por exemplo.

Um estudo do grupo com resultados publicados no Journal of the Neurological Sciences foca exatamente na busca de micro-RNAs que possam servir de marcadores de ELA. O trabalho também teve apoio da FAPESP.

“A partir da coleta do sangue de 39 pacientes e de 39 pessoas saudáveis [controle do experimento], usamos a tecnologia de PCR [reação em cadeia da polimerase] para verificar os níveis de expressão de microRNAs no plasma sanguíneo. Encontramos 11 microRNAs com expressão aumentada. O refinamento da análise acabou reduzindo os suspeitos para apenas dois, os de números 206 e 424, que estavam com níveis de expressão muito altos em alguns pacientes”, disse Marcondes.

A pesquisa consistiu, então, em avaliar os níveis dos dois microRNAs nos pacientes ao longo de 12 meses. Descobriu-se algo surpreendente. “Os pacientes com nível mais elevado daqueles micro-RNAs foram os que apresentaram, em uma relação indireta, a evolução mais branda da doença”, disse o pesquisador.

“Achamos que esses micro-RNAs têm um papel de tentar produzir uma reinervação muscular mais efetiva”, disse.

Em outras palavras, a expressão elevada dos microRNAs 206 e 424 seria uma tentativa de restabelecer as ligações destruídas das células do sistema nervoso com os músculos. E isso explicaria o avanço mais lento da doença.

“A conclusão é que a análise dos microRNAs 206 e 424 como biomarcadores oferece um importante potencial para acelerar no diagnóstico de ELA e estimar o prognóstico individual para cada paciente”, disse Marcondes.

O artigo Longitudinal evaluation of cerebral and spinal cord damage in Amyotrophic Lateral Sclerosis (doi: https://doi.org/10.1016/j.jns.2016.06.046), de Milena de Albuquerque, Lucas Melo T Branco, Thiago Junqueira R. Rezende, Helen Maia Tavares de Andrade, Anamarli Nucci, Marcondes Cavalcante França Jr., publicado em NeuroImage: Clinical, pode ser lido em http://dx.doi.org/10.1016/j.nicl.2017.01.024.

O artigo MicroRNAs-424 and 206 are potential prognostic markers in spinal onset amyotrophic lateral sclerosis (doi.org/10.1016/j.jns.2016.06.046), de Helen M.T. de Andrade, Milena de Albuquerque, Simoni H. Avansini, Cristiane de S. Rocha, Danyella B. Dogini, Anamarli Nucci, Benilton Carvalho, Iscia Lopes-Cendes, Marcondes C. França Jr., publicado em Journal of the Neurological Sciences,  está acessível em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0022510X1630377X.


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